Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

“Que peixaperia...”

Aproveitando a lembrança que o Russo fez semana passada em relação ao saudoso Prudêncio Campos, lembrei-me de uma pescaria no sítio do Januário. Eu, o Vander, o Prudêncio e o Leonardo partimos logo cedo. O fusca amarelo ainda agüentava alguma estrada.
O Léo deveria ter uns dez anos, muito agarrado a mim. Prudêncio e o Vander se embrenharam no mato e nós cuidamos dos apetrechos.
Quando o Prudêncio retornou, algum tempo depois, para um gole de parati e pegar mais isca de mortadela, já tínhamos feito um lanche. “Essa mortadela é para isca, não é para vocês comerem...”, resmungou. Demorava sair o assado.
Antes do meio-dia não tinha mais isca; mas cerveja, de montão.
Ficaram reclamando o resto do dia daquele naco, como se a mutuca e a formiga não incomodassem...
Trabalhamos juntos muitos anos na redação de O Progresso e quando o Prudêncio morreu, há cinco anos, foi um choque grande porque ele aparentava bom estado, sempre elegante, atencioso e chato algumas vezes como qualquer mortal. Ele tinha 40 anos ou pouco mais.
Mas, voltando à pescaria, no final daquela tarde estávamos com muitas cervejas na cachola. No caminho, mesmo com o calor e o som alto, Prudêncio e o Léo debruçaram sobre a caixa de isopor e dormiram. O Vander, no banco da frente, deixou até o cigarro apagar e por alguns momentos também “apagou”.
Ao aproximarmos do posto da PRE, na estrada para Itahum, o policial acenou para que eu parasse. “Chiiii!, sujou!!!”, pensei. Uma situação desconcertante. Como esconder a nuvem etílica? Hic!
Permaneci sentado em meio àquele ambiente de final de festa. “Os documentos, por favor”, falou educadamente o policial. Os três continuaram dormindo e eu ali firme, sério igual juiz em audiência.
Averiguou dali, daqui, conferiu e perguntou sobre a placa da frente. Eu disse, fazendo bico para disfarçar o bafo: “Perdi! Perdi!...”. “Então eu sou obrigado a multá-lo”, afirmou. “Multa! Multa!!!”, respondi, doido para me livrar dele. Até hoje não sei se o policial foi bonzinho, percebeu os estado dos marmanjos e aquele garoto como contrapeso. “Que peixaperia”, deve ter pensado. Eu estava firme no volante, mas não me arriscava a uma conversa com alguém sóbrio. O teor alcoólico dentro do fusca poderia fazê-lo mudar de cor, do amarelo para o vermelho pimentão. O único cheio de guaraná era o contrapeso.
Na segunda-feira, os dois zombando de mim por causa da multa. O Prudêncio com aquele riso do Mutley, o ajudante do Dick Vigarista na “Corrida Maluca” de Hanna Barbera.
Baco chamou Prudêncio sem a gente imaginar que aquilo poderia acontecer. O Vander estacionou na Kroner. Eu continuo meio teimoso, mas também tirei o pé do acelerador. Falo com respeito e naturalidade sobre dois velhos amigos. A memória e as boas lembranças aliviam a dor da separação. Baco deve estar sentindo a diferença na adega, tanto do lado de lá como do lado de cá.